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FaceApp: afinal, o que aplicativo que te envelhece pode fazer com as fotos?

Carlos Affonso

17/07/2019 04h00

Muita gente vem se assustando nas redes sociais com a publicação de fotos de amigos surpreendentemente envelhecidos. A culpa é, mais uma vez, do FaceApp, um aplicativo russo que já fez barulho no passado e que agora voltou a entrar na moda.

O aplicativo, disponível na App Store e no Google Play, permite que os usuários instalem vários filtros em cima de suas fotos, mudando a aparência do retratado. A foto está muito séria? O app permite colocar um sorriso. Quer saber como você ficaria de cabelo comprido? E trocar de gênero? Por fim, o que pegou mesmo na última semana foi o filtro que permite que a pessoa mais jovem conheça a sua versão da terceira idade.

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Quem diria que cabelo branco, rugas e pé de galinha fariam tanto sucesso? O aplicativo entrou no topo das listas de apps mais baixados enquanto celebridades e anônimos do mundo todo entraram na brincadeira.

Mas será que você sabe o preço para participar do desafio? A versão básica do app é gratuita e você pode ver e publicar as suas fotos com filtro sem pagar nada. Quer dizer, você até paga, mas não com dinheiro e sim com os seus dados pessoais e o uso dos conteúdos aos quais o app tem acesso.

Os Termos de Uso e a Política de Privacidade do aplicativo esclarecem quais dados a empresa acessa, o que ela pode fazer com eles, dentre outras condições da relação contratual que se estabelece entre usuário e a empresa russa que explora o app. Separamos algumas das condições que você precisa conhecer.

O que é o aplicativo?

Os Termos de Uso começam explicando como funciona o app. Segundo o documento, o FaceApp é um software "que usa algoritmos de inteligência artificial para transformar suas fotos ou vídeos em obras de arte ou alterar o fundo ou primeiro plano, sobrepor objetos com objetos diferentes e clonar/copiar o estilo ou efeitos de outra imagem ou vídeo".

O que ele pode fazer com as minhas fotos?

Muita coisa. De acordo com a cláusula 5 dos Termos de Uso, ao usar o app você acaba por conceder à FaceApp "uma licença perpétua, irrevogável, não exclusiva, isenta de royalties, global, totalmente paga e transferível para usar, reproduzir, modificar, adaptar, publicar, traduzir, criar trabalhos derivados, distribuir, executar publicamente e exibir o Conteúdo do Usuário e qualquer nome, nome de usuário ou imagem fornecidos em conexão com o seu Conteúdo do Usuário em todos os formatos e canais de mídia agora conhecidos ou que venham a ser desenvolvidos no futuro, sem qualquer direito à remuneração para você."

Ou seja, você continua sendo o autor da sua foto, mas ao usar o aplicativo você autorizou que a empresa possa também explorar a foto de todas as maneiras indicadas acima. E elas não são poucas.

A empresa pode capitalizar as minhas fotos?

Sim. A mesma cláusula 5 dos Termos de Uso estabelece que "ao usar os Serviços, você concorda que o Conteúdo do Usuário pode ser usado para fins comerciais." Então se um dia você encontrar a foto do seu eu envelhecido anunciando suplementos vitamínicos ou financiamentos para aposentados, você já sabe o que aconteceu.

Ela pode manter a minha foto para sempre?

Essa parte é bem estranha. Imagine que você usou o aplicativo, se viu velho(a) e não gostou. Prontamente você deleta a foto para que ninguém mais possa ver o estrago. Será que você está seguro? Lamentamos informar que a empresa revela que poderá guardar os conteúdos de forma indefinida. Esse dispositivo é ilegal na legislação brasileira. Segundo a empresa: "o Conteúdo do usuário removido dos Serviços pode continuar a ser armazenado pela FaceApp, incluindo, sem limitação, a fim de cumprir certas obrigações legais."

E se eu quiser processar a empresa?

Antes de mais nada você precisa saber que os Termos de Uso obrigam que você e a empresa venham a resolver os seus conflitos através de um procedimento arbitral no Condado de Santa Clara, na Califórnia.

Caso ainda assim você decida ingressar com uma ação judicial para resolver qualquer questão, os Termos de Uso deixam claro que isso precisa ser feito no prazo de um ano a contar do fato que causou a controvérsia:

"QUALQUER RECLAMAÇÃO DECORRENTE DE OU RELACIONADA A ESTES TERMOS OU NOSSOS SERVIÇOS DEVE SER INGRESSADA DENTRO DE UM ANO DEPOIS QUE TAIS RECLAMAÇÕES SURGIRAM; DE OUTRO MODO, A RECLAMAÇÃO É PERMANENTEMENTE OBSTRUÍDA, O QUE SIGNIFICA QUE VOCÊ E A FACEAPP NÃO TERÃO O DIREITO DE SEGUIR ADIANTE COM A AÇÃO."

Com quem a empresa compartilha meus dados?

Em sua Política de Privacidade a empresa revela que os conteúdos dos usuários e suas informações pessoais poderão ser compartilhados com empresas do mesmo grupo econômico.

Logo a seguir, na mesma cláusula, a empresa afirma que outras empresas também podem ter acesso aos seus dados para fins de marketing. Está escrito assim: "Também podemos compartilhar certas informações, como dados de cookies, com parceiros de publicidade de terceiros. Essas informações permitiriam que redes de anúncios de terceiros fornecessem, entre outras coisas, anúncios direcionados que acreditam ser de maior interesse para você."

Existe alguma forma mais segura de participar?

Como regra geral, vale sempre evitar a vinculação da sua conta em redes sociais com esses aplicativos de testes ou outras brincadeiras. Pode parecer mais simples apenas clicar em um botão e deixar que as suas informações da rede social sejam sincronizadas. Mas será que você sabe o que está sendo transferido? No caso do FaceApp ele solicita informações do Facebook como seu nome, foto de perfil, lista de amigos, fotos e endereço de email.

É sempre melhor verificar se o app permite que você acesse os serviços com a criação de uma conta por email. Vincular a conta da rede social parece mais simples, mas você pode estar autorizando mais do que imagina.

Outra opção bastante segura é não usar o app e ficar apenas comentando nas fotos dos outros. Afinal de contas, agora somos todos velhos amigos.

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Sobre o autor

Carlos Affonso é Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio) e professor da Faculdade de Direito da UERJ.

Sobre o blog

A Internet e as novas tecnologias estão transformando as nossas vidas. Mas quem decide se a rede será um instrumento de liberdade ou de controle? Esse é um blog dedicado a explorar os impactos da inovação tecnológica, sempre de olho nos desafios nacionais e na experiência de diferentes países em tentar regular uma rede global. As fronteiras da tecnologia você lê aqui.