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PL das fake news vai impedir 1 em cada 5 brasileiros de usar redes sociais

Carlos Affonso

25/06/2020 12h24

Crédito: Caio Rocha/Framephoto/Estadão Conteúdo

O Senado está prestes a votar o PL 2630/20, que procura combater as fake news. A menos de 24 horas da votação, o relator apresentou um texto substitutivo que, se aprovado, vira a internet de ponta-cabeça.

O artigo 7º do texto divulgado pelo Senador Angelo Coronel (PSD-BA) vai exigir a apresentação de documento de identidade e número de celular para que todo brasileiro possa usar redes sociais e aplicativos de mensagem instantânea. Ou seja: sem RG e celular você não pode mais ter uma conta em aplicativos populares como Facebook, WhatsApp, Twitter, Tinder e Instagram.

O texto está redigido assim: "Art. 7º O cadastro de contas em redes sociais e nos serviços de mensageria privada deverá exigir do usuário documento de identidade válido, número de celular registrado no Brasil e, em caso de número de celular estrangeiro, o passaporte."

A medida é, antes de mais nada, discriminatória porque cria uma barreira para a inclusão digital no País. Segundo o IBGE, um em cada cinco brasileiros não possui um aparelho celular. Ao criar essa exigência, o PL 2630 acaba de excluir esses brasileiros do uso justamente dos aplicativos mais populares. São os mais pobres que não vão poder mandar mensagens ou manter contato com familiares e amigos nas redes sociais.

Se a Internet é cada vez mais essencial para o exercício da cidadania, o PL institucionaliza um gargalo tecnológico que só faz reforçar a constatação de que alguns brasileiros podem exercer mais a cidadania do que os outros.

Além disso, a exigência de identidade e celular para criar conta em rede social e aplicativos de mensagem é uma medida ineficaz para combater ilícitos. Uma parte expressiva das fraudes e golpes na Internet acontece porque dados pessoais foram obtidos por criminosos que usam essas informações para (adivinhe?) abrir contas, contrair empréstimos, dentre outras atividades sem que o real titular desses dados faça ideia. Depois chega a conta.

Para piorar, ao exigir que aplicativos de redes sociais e de mensagem instantânea guardem esses dados, o PL parece desconhecer a realidade brasileira de incidentes de segurança e vazamento de dados. Por isso, a medida é também insegura. Quanto mais plataformas precisarem pedir e guardar informações como nome da pessoa, identidade e número de celular, mas fácil será a vida de criminosos e fraudadores em geral, que já receberão essas informações estruturadas em qualquer vazamento de dados futuro.

Vale lembrar que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13709/18) vai no sentido oposto ao apontar para a minimização de dados, sendo requerido apenas o necessário para o funcionamento das aplicações. Quanto mais dados se guarda, maior o dano em caso de vazamentos e outros incidentes de segurança.

O texto do PL ainda chama atenção por incorporar no texto da lei um recurso tecnológico que existe hoje, mas amanhã pode muito bem estar superado: o SMS. Segundo o PL, para validar a identidade do usuário, "os provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada deverão enviar por SMS código de verificação ao número de celular informado." (art. 7º, §1º) Uma lei sobre tecnologia não deve se amarrar em um formato específico se não quiser caducar.

Por fim, se você pratica abstinência de redes sociais e aplicativos de mensagem e está achando que vai se livrar de entregar seus dados, é importante destacar que, segundo o PL, entra também na definição de redes sociais a "aplicação de internet que oferece funcionalidades de publicação de conteúdo por usuários e interação entre eles, sem que haja controle editorial prévio".

Ou seja, sites de comércio eletrônico que permitem comentários em postagens alheias também entrariam na medida, como Mercado Livre e Amazon, por exemplo. Basta permitir que usuários possam postar comentários sobre os produtos e que outras pessoas possam avaliar esses comentários.

Razões não faltam para o Senado abandonar essa ideia de exigir a informação de identidade e número de celular para usar redes sociais e aplicativos de mensagem. Não chegamos nem a falar sobre como isso estimula também o vigilantismo online.

Ao procurar tornar a Internet um lugar mais seguro, com todo mundo andando de crachá nas redes, o PL acaba estimulando mais insegurança através de uma medida que é igualmente ineficaz e discriminatória.

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Sobre o autor

Carlos Affonso é Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio) e professor da Faculdade de Direito da UERJ.

Sobre o blog

A Internet e as novas tecnologias estão transformando as nossas vidas. Mas quem decide se a rede será um instrumento de liberdade ou de controle? Esse é um blog dedicado a explorar os impactos da inovação tecnológica, sempre de olho nos desafios nacionais e na experiência de diferentes países em tentar regular uma rede global. As fronteiras da tecnologia você lê aqui.