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Zuckerberg defende liberdade de expressão e ataca concorrentes chineses

Carlos Affonso

18/10/2019 13h28

O timing não poderia ser melhor para um discurso de Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, sobre liberdade de expressão. Nos últimos dez dias uma verdadeira tempestade perfeita se formou, favorecendo o posicionamento da empresa sobre um tema tão espinhoso.

Tudo começou com a Activision Blizzard, empresa responsável por games de sucesso como Warcraft e HearthStone, que aparentemente atendendo a pressões chinesas, suspendeu o jogador Chung Ng Wai após o mesmo ter manifestado apoio aos protestos em Hong Kong. A empresa voltou atrás depois da repercussão negativa do caso.

Logo em seguida foi a vez da NBA, a liga norte-americana de basquete, que se viu às voltas com pressões relacionadas com o enorme mercado chinês. Após um dirigente do time Houston Rockets ter tuitado mensagem de apoio aos manifestantes em Hong Kong, a liga teve que vir a público manifestar o seu respeito à história da China e aos fãs chineses.

O estrago já estava feito. Eventos promocionais no país foram cancelados e na partida entre Lakers e Nets, disputada em Xangai em meio a crise, não teve execução dos hinos nacionais e sequer foi transmitida pela TV local. Deste lado do globo, a postura da Blizzard e da NBA causaram revolta por parte de fãs, que se manifestaram nas redes sociais a favor da liberdade de expressão.

No cenário político norte-americano, por sua vez, as peças também estão se movimentando. O pré-candidato Joe Biden, até então apontado como um dos favoritos para receber a indicação do Partido Democrata, foi envolvido na trama do processo de impeachment do Presidente Trump, já que o telefone entre o presidente dos EUA e da Ucrânia que motivou o processo trata de um suposto pedido de Trump para investigar os negócios do filho de Biden naquele país.

Com isso, cresce nas pesquisas o apoio à candidatura da senadora Elizabeth Warren, que abertamente defende a quebra das atividades que hoje estão concentradas em grandes empresas como Amazon e Facebook. Em áudio vazado recentemente Zuckerberg teria dito que uma eventual vitória da candidata seria "um saco". Ao mesmo tempo, o CEO tem se encontrado com líderes conservadores e representantes do Partido Republicano.

O discurso de Zuckerberg

Tudo isso ajuda a entender melhor porque um discurso, como o realizado na última quinta-feira (17) para uma plateia na Universidade de Georgetown, vem no momento certo. Zuckerberg usou a oportunidade para afirmar que a empresa se compromete com a liberdade de expressão, deixando a entender que outras entidades, de olho no mercado chinês, se dobraram a interesses meramente econômicos.

Além disso, o CEO reconheceu que existem muitas formas de se entender e de se aplicar a liberdade de expressão. O que não faltou na fala de Zuckerberg foram menções à construção da liberdade de expressão a partir da Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos. Em suas próprias palavras: "Tenho orgulho de que nossos valores no Facebook sejam inspirados na tradição americana, que apoia mais a liberdade de expressão do que em qualquer outro lugar."

Já pensou em como cada aplicativo que você usa no seu celular pode servir como uma forma de exportar padrões de conduta, valores ou mesmo entendimentos sobre a aplicação de direitos? Hoje em dia usamos uma série de aplicativos que foram criados nos EUA.

O quanto será que a cultura de ampla proteção da liberdade de expressão existente naquele país condiciona a forma pela qual esses mesmos aplicativos são desenvolvidos e gerenciados? Será que o mesmo raciocínio vale para aplicativos chineses? Segundo Mark Zuckerberg: "Se a plataforma de outra nação definir as regras, o discurso de nossa nação poderá ser definido por um conjunto de valores completamente diferente".

Ataques à concorrência

O discurso desenhou um cenário de um mundo em transformação, no qual o predomínio das empresas de tecnologia do Vale do Silício já não parece mais tão predominante como na década passada. Na parte mais contundente da sua fala sobre a concorrência chinesa, afirmou Zuckerberg:

"Há uma década, quase todas as principais plataformas da Internet eram americanas. Hoje, seis dos dez primeiros são chineses. Também estamos começando a ver isso nas mídias sociais. Embora nossos serviços como o WhatsApp sejam usados ​​por manifestantes e ativistas em qualquer lugar devido a fortes proteções de criptografia e privacidade, no TikTok, o aplicativo chinês, as menções desses mesmos protestos são censuradas, mesmo aqui nos EUA. Essa é a internet que queremos?"

O ataque direto ao aplicativo TikTok chamou atenção. Recentemente o jornal inglês The Guardian teve acesso a diretrizes adotadas pela empresa que explora o app, a ByteDance. Segundo o jornal, elas proíbem críticas ao governo chinês e a "demonização ou distorção da história local ou de outros países, como os distúrbios de maio de 1998 na Indonésia, genocídio cambojano, incidentes na Praça da Paz Celestial".

Em meio a questionamentos feitos pelo senador norte-americano Marco Rubio, a TikTok afirmou que "nosso conteúdo e políticas de moderação são lideradas por nossa equipe com sede nos EUA e não são influenciadas por nenhum governo estrangeiro."

Facebook e liberdade de expressão

Ao colocar o tema da liberdade de expressão e controle no centro do debate, Zuckerberg lembrou as controvérsias que levaram a empresa a não operar na China.

"Eu queria nossos serviços na China porque acredito em conectar o mundo inteiro e pensei que poderíamos ajudar a criar uma sociedade mais aberta. Eu trabalhei duro para fazer isso acontecer. Mas nunca poderíamos chegar a um acordo sobre o que seria necessário para operarmos lá, e eles nunca nos deixam entrar. E agora temos mais liberdade para falar e defender os valores em que acreditamos e lutamos pela liberdade de expressão em todo o mundo", explicou.

Todos os sinais apontavam assim para que esse fosse um momento oportuno para o Facebook levantar a bandeira da liberdade de expressão. O próprio Mark Zuckerberg reconhece que o tema está longe de ser simples e que a empresa é também frequentemente acusada de remover mais conteúdos do que deveria ou – por outro lado – de deixar no ar materiais que deveriam ser retirados. Como achar o equilíbrio nesse dilema?

A resposta de Zuckerberg é preferir errar com a liberdade de expressão. Aqui talvez esteja a parte mais importante do seu discurso. Ao abordar o tema dos casos difíceis (e eles não são poucos quando se trata de uma plataforma do tamanho do Facebook), o CEO afirma que é melhor deixar mais discurso online do que avançar nos debates que procuram definir exceções à liberdade de expressão:

"Então, quando retiramos esse conteúdo, a questão é: onde você estabelece um limite? A maioria das pessoas concorda com os princípios de que você deve poder dizer coisas que as outras pessoas não gostam, mas você não deve dizer coisas que colocam as pessoas em perigo. A mudança nos últimos anos é que muitas pessoas argumentam agora que deixar mais discurso na rede é mais perigoso do que era antes. Isso levanta a questão de exatamente o que conta como discurso perigoso na rede."

Como vamos então seguir adiante no debate sobre liberdade de expressão quando grande parte dos esforços parece direcionada à definição de conceitos como discurso de ódio, bullying e etc? Se por um lado esses temas parecem essenciais para compreendermos o que é se comunicar em tempos hiperconectados e que tudo parece passar pela Internet, por outro a delimitação dos seus contornos pode gerar mais censura e restrições indevidas na liberdade de expressão.

Esse é um dos desafios que está por trás da disputa entre os gigantes da Internet e seus governos. E o resultado dessas diferentes visões de mundo podem determinar como será a Internet do futuro. É fácil achar que enquanto a China se vale do controle, os Estados Unidos se vale do silício.

De um lado está um governo e uma sociedade ancorados no ideal de harmonia, do outro um ethos de sucesso individual e inovação. Essas simplificações não vão resolver a equação, mas ajudam a decifrar uma parte do quebra-cabeça político, econômico e social que virou a governança e a regulação da Internet e das aplicações que rodam nela.

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Sobre o autor

Carlos Affonso é Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio) e professor da Faculdade de Direito da UERJ.

Sobre o blog

A Internet e as novas tecnologias estão transformando as nossas vidas. Mas quem decide se a rede será um instrumento de liberdade ou de controle? Esse é um blog dedicado a explorar os impactos da inovação tecnológica, sempre de olho nos desafios nacionais e na experiência de diferentes países em tentar regular uma rede global. As fronteiras da tecnologia você lê aqui.