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Por que as pessoas querem emojis personalizados?

Carlos Affonso

18/07/2018 04h00

Agora você pode criar o seu próprio emoji animado. Estamos prontos para isso? (Foto: iJustine)

"Faço a sua caricatura em cinco minutos". Pode ser em São Paulo, em Atenas ou em Tóquio: o idioma muda, mas a demanda por essa peculiar representação de nós mesmos parece global. Por que as pessoas gostariam de ter uma caricatura de si mesmas? O que tem de tão especial em uma versão desenhada de cada um de nós?

Essas perguntas se tornam cada vez mais importantes quando, para além da cultura da selfie, os emoji personalizados parecem ter vindo para ficar. Se você ainda não está familiarizado com a ideia, não se preocupe: é uma questão de tempo, já que as principais fabricantes de celulares estão começando a embarcar essa ferramenta em seus sistemas operacionais.

Os anúncios do novo Samsung S9 não deixam mentir. "Transforme a sua selfie em um emoji e veja as suas mensagens ganharem vida" – diz o site da fabricante. Em uma guinada psicológica, a empresa avisa que agora é possível "criar uma versão animada de você mesmo que revela o seu eu interior". That escalated quickly.

Os emoji personalizados são criados a partir de fotos e vídeos, gerando uma representação que se pretende fidedigna da pessoa. Esse emoji pode então expressar as mais distintas reações, tal qual um emoji normal, que sorri, pisca o olho, chora de rir, fica doente e assim por diante. Melhor não entrar em detalhes sobre o emoji do vômito.

A Apple também anunciou que os usuários de iPhone X poderão criar seus próprios emojis a partir do iOS12. Chamados de Memoji, os emoji personalizados da Apple também permitem uma ampla customização. Curiosamente, ao apresentar a ferramenta em seu último evento, a Apple deu bastante destaque ao fato de que o seus memoji conseguem reproduzir o movimento da língua. Dessa forma, você poderá fazer o seu emoji botar a língua para fora. Aparentemente essa é uma enorme conquista tecnológica.

Usuários do SnapChat já sabem como emojis personalizados funcionam, já que a empresa integrou em seu app as funcionalidades do Bitmoji, o aplicativo mais baixado para iOS em 2017. O Bitmoji transforma emoji personalizados em verdadeiros avatares que se movem, podendo ser integrados em ambientes de realidade aumentada, no melhor estilo Pokemon Go.

A pergunta que fica é: de onde vem essa demanda por emoji e avatares personalizados? E qual é a relação que as pessoas estabelecem com esses avatares? Seriam eles uma extensão da identidade pessoal?

Essa confusão entre quem está na frente da tela e quem aparece dentro dela já foi explorada por autores de diversos campos. Em seu livro de 1995, "Vida na Tela", a psicóloga Sherry Turkle questionava os motivos pelos quais, quando chamados a explicar sobre o que consistia um determinado game, os jogadores começavam a resposta dizendo: "Nesse jogo você é um [insira aqui a caracterização] que precisa [insira aqui o objetivo]." O que pega aqui é o "você é". Aquele personagem que está lutando, pulando e correndo dentro da tela não é um outro alguém; ele é você.

Os emoji personalizados vão popularizar essa confusão entre jogador e personagem tão comum no mundo dos games. Kratos, Altair e Link não são mais meros personagens, mas sim extensões de quem joga. Se é verdade que quanto mais humano o personagem, mas fácil é essa transferência, não é preciso imaginar a vinculação que a pessoa sente com o seu próprio avatar, que reproduz a sua fisionomia e movimentos.

O nome avatar em si não poderia ser mais apropriado, já que no hinduísmo, a palavra, derivado do sânscrito, significa a encarnação de uma divindade, a sua corporificação. Estaria a tecnologia caminhando para a consagração de avatares como um corpo externo? Mas se esse corpo nos representa, podemos reclamar se ele for usado para fins outros que não autorizamos?

É sempre saudável perguntar se é a tecnologia que está fomentando o desejo ou se o desejo sempre esteve lá, sendo apenas agora materializado pela tecnologia. O mesmo raciocínio vale para a câmera frontal dos celulares. Foi o nosso desejo de tirar selfies que incentivou a criação da câmera frontal ou foi a colocação de uma câmera frontal que despertou o fenômeno das selfies?

Isso tudo pode parecer muito estranho, mas os números de download do Bitmoji, somados aos emoji e avatares da Samsung e da Apple apontam para uma tendência na comunicação. O emoji virou uma nova mídia, uma nova forma de expressão.

Resta então saber o que vamos inventar a partir dos emoji e avatares personalizados. Serão eles um facilitador da comunicação em ambientes de realidade virtual? Ou será que os emoji personalizados só vão contribuir para um surto narcisista?

Na mitologia grega, Narciso foi um jovem que morreu ao se apaixonar pelo seu próprio reflexo no lago. A mesma mitologia ensina que, na beira do lago, nasceu uma flor para lembrar o jovem. Também chamada de Narciso, ela se verte para baixo, como que querendo contemplar a si mesma nas águas.

Os antigos sabiam que a flor de Narciso poderia ter vários usos medicinais, inclusive como analgésico. Todavia, algumas partes da flor são tóxicas e podem causar mal-estar e, se ingeridas em grande quantidade, até mesmo matar. A lição vale para os emojis e avatares personalizados. Em pequenas doses, eles podem tornar a nossa comunicação online mais divertida. Sem moderação, vai faltar lago para tanto Narciso.

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Sobre o autor

Carlos Affonso é Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio) e professor da Faculdade de Direito da UERJ.

Sobre o blog

A Internet e as novas tecnologias estão transformando as nossas vidas. Mas quem decide se a rede será um instrumento de liberdade ou de controle? Esse é um blog dedicado a explorar os impactos da inovação tecnológica, sempre de olho nos desafios nacionais e na experiência de diferentes países em tentar regular uma rede global. As fronteiras da tecnologia você lê aqui.