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Carlos Affonso Souza

A tragédia da informação e as fake news de Brumadinho

Carlos Affonso

06/02/2019 16h34

Notícia falsa adora uma tragédia. Se ela vive da atenção dos outros, que momento melhor para crescer e se espalhar do que em uma tragédia que mobiliza o País?

Quando uma notícia tão importante aparece, como o rompimento da barragem em Brumadinho (MG), o que você faz para saber mais sobre o que está acontecendo? Será que você liga o rádio ou a televisão? Muita gente até associa notícia importante à música do plantão da TV Globo, interrompendo a programação normal para chamar a sua atenção.

Com a Internet embarcada no celular, é cada vez mais natural que a busca por informação seja online. Uma vez na rede, aonde você vai para se informar sobre algo que está acontecendo naquele momento? Será que você faz uma pesquisa por notícias no provedor de buscas? Será que você vai direto nas redes sociais? Vê se alguém está falando alguma coisa nos grupos de aplicativos de mensagem instantânea?

Seja qual for a sua opção, você deve ter lido, visto ou escutado alguma informação sobre a tragédia em Brumadinho que não era verdadeira. Ela pode ter sido transmitida por qualquer meio. Diferentes emissoras de TV exibiram, no dia da tragédia, vídeos que pretensamente retratavam o rompimento da barragem. Eles eram do desastre em Mariana ou mesmo de emergências ocorridas em outros países.

Na Internet, em especial nas redes sociais e nos aplicativos de mensagem, surgiram as mais diferentes notícias. A desinformação vem em diferentes formas, mas o resultado é sempre igual: elas prejudicam o trabalho de resgate e de atendimento às vítimas, criam uma confusão que dificulta o discernimento do que está acontecendo e explora a comoção alheia, acirrando os ânimos ou espalhando o pânico.

O governo norte-americano produziu uma cartilha chamada "Combatendo as informações falsas nas mídias sociais envolvendo desastres e emergências". Segundo o texto, as informações falsas que circulam nessas situações podem ser divididas em quatro grupos: (i) as oportunistas; (ii) as incorretas; (iii) as incompletas; e (iv) as desatualizadas. Cada notícia falsa pode conter até mais de uma dessas qualidades acima. Saber identificar como cada tipo de informação falsa pode circular em casos de acidentes e emergências é o primeiro passo para não ser enganado.

As informações oportunistas são aquelas que procuram capitalizar em cima da tragédia, sequestrando a atenção pública dedicada ao fato para, através de mentiras, obter uma vantagem econômica ou política. Narrativas que ligaram, quase que imediatamente, o ocorrido em Brumadinho aos governos Dilma, Temer e Bolsonaro não faltaram. Geralmente as informações oportunistas procuram colocar a culpa pela tragédia no rival e atribuir ao político ou partido de preferência os louros do salvamento, da assistência prestada ou do aviso sobre a iminência do desastre que foi dado e ostensivamente ignorado. A história é fácil de contar e rapidamente gruda por reforçar convicções políticas bem estabelecidas, servindo como uma explicação natural. Quanto mais a pessoas vê os efeitos da tragédia, mais ela se convence de que aquele é um exemplo a mais da vilania do rival político.

O oportunismo também pode ser econômico. Nesses casos, as informações falsas procuram circular canais de assistência que não possuem qualquer ligação com o atendimento às vítimas ou o número de contas bancárias que serão usadas apenas para proveito pessoal. São os golpes dos mais diversos que aparecem nesses momentos de comoção e que tem como gatilho o desejo de ajudar e a urgência com a qual bens e recursos precisam chegar aos atingidos pela tragédia.

As notícias incorretas são aquelas que transmitem uma informação falsa, não confirmada por qualquer fonte oficial e que podem ser distribuídas pela pessoa acreditar em sua veracidade (ou simplesmente desejar que ela seja verdadeira). No caso de Brumadinho, muitos familiares em busca de parentes desaparecidos compartilharam informações de que haviam sobreviventes perdidos nas matas ao largo do trecho destruído pelos rejeitos da barragem.

O próprio porta-voz do Corpo de Bombeiros solicitou que as pessoas não compartilhassem esse tipo de informação infundada, uma vez que, a cada nova indicação de supostos desaparecidos nas matas, um efetivo era deslocado para averiguar a sua procedência e nada até então havia sido encontrado.

Ganhou também destaque no noticiário a disseminação de um vídeo em que o suposto dono da pousada atingida pelos rejeitos fazia uma fala quase que premonitória da tragédia. O vídeo se chama "A gente vai embora". Depois se descobriu que o homem que aparece no vídeo é um jornalista que nenhuma relação guardava com o dono da pousada.

A Prefeitura de Cubatão precisou divulgar nota sobre os riscos ambientais e humanos envolvidos na construção de cavas subaquáticas no Canal de Piaçaguera, já que havia começado a circular uma notícia indicando que o mesmo destino da barragem de Brumadinho poderia recair sobre a obra, realizada na divisa entre Cubatão e Santos.

As notícias incompletas são aquelas que não permitem o entendimento integral da situação, mas que oferecem apenas alguns poucos elementos relacionados ao desastre ou à emergência. Elas podem partir tanto de fontes oficiais que, no intuito de oferecer o mínimo de certeza à população, reportam sobre o que já se conseguiu apurar, bem como podem ser frutos de vazamentos, especialmente quando as fontes oficiais demoram a fazer um pronunciamento sobre o ocorrido.

O risco das informações incompletas está no difícil equilíbrio entre dar publicidade ao que já se sabe e não fomentar especulações justamente sobre os elementos que ainda não estão claros. Outro risco adicional é espalhar o pânico sobre uma área ou grupo de pessoas que ainda não se tem certeza se podem vir a ser impactados pelo incidente. No caso de Brumadinho, muitas especulações sobre racionamento de água começaram a circular com base em informações preliminares.

Por fim, as informações podem ser desatualizadas. Como nem sempre as postagens e os comentários que aparecem nas redes sociais são os mais recentes, não é raro se deparar com uma publicação de um ou dois dias atrás misturada com informações mais atuais. Essa própria configuração das redes pode levar à confusão sobre o atual estado do incidente.

Da mesma forma, fotos e vídeos de tragédias e acidentes passados podem voltar a ser compartilhados como se fossem atuais. Em uma repetição sinistra do ocorrido em Mariana, novamente fotos e vídeos da primeira tragédia envolvendo barragens de grande porte voltaram a circular.

Saber identificar uma notícia ou informação falsa em momentos de pânico e de comoção é uma tarefa difícil. A urgência com a qual se procura entender o que está acontecendo, quais foram as causas e como ajudar formam o combustível da desinformação. É imensamente triste acompanhar o drama das famílias afetadas pelo incidente. Mais triste ainda quando se pensa como a divulgação de notícias falsas prejudica o trabalho dos bombeiros, confunde a população e explora nossas fraquezas.

Brumadinho virou sinônimo de tragédia humana e ambiental. Se não quisermos que o exemplo se repita é preciso começar com a responsabilização dos culpados por esse odioso resultado. Brumadinho também virou sinônimo de notícias falsas. Para evitar que o mesmo cenário volte a acontecer vamos precisar também prestar mais atenção sobre o modo pelo qual lidamos com a informação.

Sobre o autor

Carlos Affonso é Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio) e professor da Faculdade de Direito da UERJ.

Sobre o blog

A Internet e as novas tecnologias estão transformando as nossas vidas. Mas quem decide se a rede será um instrumento de liberdade ou de controle? Esse é um blog dedicado a explorar os impactos da inovação tecnológica, sempre de olho nos desafios nacionais e na experiência de diferentes países em tentar regular uma rede global. As fronteiras da tecnologia você lê aqui.