Bolsonaro está acima de todos nas redes sociais?
Em seu discurso de diplomação, Jair Bolsonaro afirmou que "o poder popular não precisa mais de intermediação, as novas tecnologias permitiram uma relação direta entre o eleitor e seus representantes". Ele tem razão: as redes sociais reduziram distâncias e trouxeram de volta amigos do colégio, colegas de antigos empregos e ex-namorados(as). Se isso é bom ou ruim já é uma outra história.
Demorou pouco para a política perceber o potencial dessas ferramentas. Candidatos cada vez mais passaram a usar as redes sociais para falar diretamente com o seu eleitor. Sem barreiras, as redes tornaram o político permanentemente acessível. Assim como na relação entre o fã e uma celebridade online, todo mundo ficou a 140 caracteres de distância.
Todavia, é equivocado pensar que não existem intermediários quando nos comunicamos através de redes sociais. O Facebook, o Twitter e o WhatsApp não são a Internet, mas sim plataformas desenvolvidas e exploradas por empresas na rede. Cada uma delas estabelece as suas próprias regras de funcionamento, permitindo ou proibindo uma série de condutas que, não raramente, causam espanto quando se descobre a sua existência. Você já leu os termos de uso e a política de privacidade das redes que mais usa?
A percepção de que não existem intermediários quando nos comunicamos justamente através dos intermediários na Internet é perigosa. Estamos todos sujeitos às leis aplicáveis ao que acontece na rede e às regras que as empresas usam para gerir as suas plataformas. E isso vale para todos os usuários de todas as aplicações. Será que elas valem também para o Presidente quando ele usa essas mesmas plataformas?
Faça o teste: você já bloqueou alguém nas redes sociais? Talvez você tenha feito isso porque esse outro usuário estava te perturbando, sendo inconveniente e atrapalhando a sua experiência naquela plataforma. Não existe lei que obrigue as empresas a disponibilizar uma ferramenta de bloqueio de usuários impertinentes, mas quase todas fazem isso. É bom para os negócios e bom para os clientes.
Mas será que o presidente Bolsonaro, ao usar o Twitter, também pode bloquear um usuário que insistentemente reclama de suas postagens? Recentemente, nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump foi proibido pelo Poder Judiciário de bloquear usuários no Twitter. E isso não aconteceu na conta da Presidência (@potus), mas sim no que seria a sua conta pessoal (@realDonaldTrump). Segundo a decisão da juíza da Corte Distrital de Nova York: "O presidente apresenta a conta @realDonaldTrump como sendo uma conta presidencial e não como uma conta pessoal e, mais importante, usa essa conta para atuar de modo que apenas o presidente, sendo presidente, pode fazê-lo."
Em seu discurso de diplomação Bolsonaro disse que, a partir de agora, ele será o presidente de todos os brasileiros, sem distinções. Isso significa que ele não pode bloquear um brasileiro que, sendo brasileiro, fica chateando e não desiste nunca? Até agora Jair Bolsonaro tem usado a sua conta pessoal no Twitter (@jairbolsonaro) como uma espécie de Diário Oficial, anunciando nomeações e fazendo pronunciamentos. Será que a mesma lógica da decisão norte-americana vai se aplicar?
Mudando de plataforma, vale lembrar que na campanha presidencial o candidato Bolsonaro fez várias lives no Facebook, usando o recurso como canal de comunicação direto com os seus eleitores. Hoje em dia o algoritmo da rede social confere grande preferência para as lives, anunciando para amigos e seguidores que ela está começando e fazendo com que as lives apareçam mais no feed de notícias. Caso isso algum dia mude, será que pode o Presidente da República exigir que o algoritmo continue a privilegiar as transmissões ao vivo em detrimento de notícias e textões? Dificilmente ele teria sucesso.
Mas será que a lógica também não pode ser invertida? Na medida em que a rede social continua a privilegiar lives e enviar notificações quando elas começam, não estaria a plataforma atuando como um canal oficial da Presidência? Será que as notificações de live do Presidente não serão o novo "O Guarani", de Carlos Gomes, a irromper no início da Hora do Brasil? E quanto mais gente compartilha conteúdos da Presidência, mais o algoritmo entende que ele é relevante e faz ele aparecer nos feed de notícias alheios. Curiosamente, sem buscar favorecer qualquer usuário (presidente ou não), a rede social, em busca do viral, pode virar em mídia oficial.
Então quando se pergunta se Bolsonaro está acima de todos nas redes sociais, a resposta parece ser não. O Presidente é e será mais um usuário das plataformas, sujeito (a princípio) às mesmas regras, que podem favorecer ou prejudicar a sua atuação online. Em certos momentos, como visto, talvez ele tenha até menos liberdade no uso das redes sociais do que um usuário comum e isso se relaciona com o cargo que ocupa, com as leis nacionais aplicáveis e, por fim mas não menos importante, com as regras de operação das plataformas. Em outros momentos, essas regras podem favorecê-lo ao dar mais destaque a qualquer tipo de conteúdo viral.
A provocação do título serve então para que se perceba que, na verdade, os intermediários entre eleitores e seus representantes não desapareceram. Na Internet, o intermediário agora é outro e entender o seu funcionamento será cada vez mais importante para acompanhar o futuro das comunicações políticas na rede. É melhor Jair prestando atenção.
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