Oito perguntas sobre a remoção de páginas e perfis do Facebook
(Foto: Comunicado do Facebook de que a conta foi desativada.)
Os ânimos estão exaltados. E com razão. Quanto mais próximo do período eleitoral, maior a movimentação dos mais diversos atores para garantir espaço, atingir o público e criar narrativas. No que diz respeito à Internet, a cada eleição é repetido o mantra de que "essa será a eleição mais digital de todos os tempos!"
Por isso o anúncio feito pelo Facebook na semana passada, avisando que contas e páginas haviam sido removidas, causou tanta polêmica. Aqui vão algumas perguntas e respostas sobre o episódio.
- O que aconteceu?
No dia 25 de julho de 2018 (quarta-feira), o Facebook anunciou que havia removido 196 páginas e 87 perfis de usuários no Brasil. A medida teria sido tomada porque as páginas e perfis estariam contrariando as regras da plataforma quando "escondiam das pessoas a natureza e origem de seu conteúdo" e tinham o propósito de gerar "divisão e espalhar desinformação".
O comunicado da empresa não mencionou o Movimento Brasil Livre (MBL), mas o grupo logo em seguida declarou que tinha sido o alvo da operação e publicou nota afirmando que a exclusão de páginas e perfis era censura.
- Quais foram os motivos informados pelo Facebook?
A nota divulgada na imprensa afirmou que a exclusão de páginas e perfis foi realizada para garantir um "ambiente autêntico e seguro". As remoções parecem ter mirado perfis falsos ("inautênticos", que violariam a política de nome real da plataforma) e páginas que serviriam para aumentar a difusão de um conteúdo, fazendo com que ele ganhasse artificialmente mais alcance nas redes.
O MBL argumentou que alguns dos perfis excluídos eram de pessoas identificadas na plataforma e que algumas das páginas que foram removidas já tinham sido objeto de impulsionamento contratado, ou seja, o grupo havia pago para difundir o conteúdo (o que teria sido frustrado com a remoção).
- Então não é um caso de fake news?
A nota do Facebook em nenhum momento fala em fake news. Algumas reportagens na imprensa, ao tratar do caso, deram essa rotulagem e o fato foi motivo de disputa nas redes do MBL na última quarta e quinta-feira. Segundo o comunicado da plataforma, as páginas serviriam para gerar desinformação. Embora o termo desinformação e fake news andem lado a lado, nem tudo o que procura desinformar usa artifícios para parecer uma notícia.
- O Facebook pode remover perfis e páginas da rede social?
Sim. Os chamados Padrões da Comunidade, que servem como termos de uso da plataforma, preveem a possibilidade de remoção de conteúdos, páginas e perfis que contrariem essas normas. O Facebook é uma empresa privada e, a princípio, tem toda a liberdade para decidir como quer regular o ambiente por ela criado.
Essa liberdade, é claro, pode ser confrontada quando se percebe que é por meio das redes sociais que muitos direitos vão ser exercitados, como a própria liberdade de expressão. O que acontece quando algum usuário quer se expressar, esse conteúdo não é proibido pela legislação nacional, mas ele é vedado pelos Padrões da Comunidade?
Diferentes países possuem diferentes formas de compreender e aplicar direitos fundamentais. Nos Estados Unidos, por exemplo, a liberdade de expressão possui uma proteção mais ampla do que aquela usualmente concedida nos tribunais brasileiros.
Como conciliar então o que dizem as leis dos mais diversos países em que uma empresa global atua com os chamados Padrões da Comunidade? Vamos ver o caso do Brasil.
- O Facebook descumpriu o Marco Civil da Internet?
Não. O Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) traz várias regras importantes para preservar a liberdade de expressão na internet. Em especial , ele afirma que não será considerado pleno acesso à internet se o usuário não tiver privacidade e liberdade de expressão (artigo 8º) e que os provedores de aplicações (como o Facebook) só respondem pelo conteúdo postado por seus usuários após a edição de uma ordem judicial que determine que um conteúdo é ilícito (artigo 19).
Vale lembrar que em nenhum momento o Marco Civil determina que precise existir uma ordem judicial para que um conteúdo seja removido da internet. O provedor apenas será obrigado a remover um conteúdo caso, em regra, exista uma ordem judicial ordenando isso. Antes da ordem judicial, cabe ao provedor gerir a sua plataforma e decidir se remove ou não.
Essa regra não vale para conteúdos que retratem exploração sexual de menores e envolvendo cenas de sexo ou nudez não consentidas, para as quais basta uma notificação (mesmo que particular) para a sua remoção.
- Então provedores podem responder por remoções indevidas?
Sim. Recentemente o Google foi condenado por ter removido dois vídeos de paródias feitas por um canal no YouTube. As decisões, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, mostram que, se por um lado o Marco Civil protege a liberdade de expressão, ao não incentivar a remoção de conteúdos por mera notificação privada, por exemplo, por outro, caso os provedores atuem ativamente e decidam pela remoção, eles podem responder em caso de exclusão indevida.
- Os provedores precisam informar o motivo da remoção?
Sim. É o próprio Marco Civil da Internet que, em seu artigo 20, determina que, quando o provedor for obrigado a remover um conteúdo, ele deve informar ao usuário "os motivos e informações relativos à indisponibilização de conteúdo, com informações que permitam o contraditório e a ampla defesa em juízo, salvo expressa previsão legal ou expressa determinação judicial fundamentada em contrário."
Embora voltado para os casos de remoção após ordem judicial, quando o provedor é obrigado a remover um conteúdo, esse artigo mostra a importância do dever de informação e de transparência por parte do provedor.
O que exatamente precisa ser informado, e de que modo, ainda é objeto de discussão. Os maiores provedores geralmente publicam relatórios de transparência, divulgando no agregado a quantidade de notificações recebidas, o volume de materiais removidos, bem como o fundamento para a sua exclusão. Embora importantes, esses relatórios não substituem a necessidade de se aperfeiçoar o modo como que se comunica a remoção para as partes envolvidas.
No caso da semana passada, o Ministério Público Federal (MPF-GO) cobrou a indicação da lista de páginas e perfis removidos, bem como a "justificativa fática" para a exclusão. Aparentemente, a empresa para decidir pela remoção teria se apoiado em reportagens veiculadas na imprensa, denúncias da comunidade e revisões feitas por time interno com uso de inteligência artificial. Diz o comunicado do provedor que eles contaram "com as denúncias da nossa comunidade a respeito de conteúdos que possam violar nossas políticas e usamos tecnologia como machine learning [aprendizado automático, em tradução livre] e inteligência artificial para detectar comportamento ruim e agir mais rapidamente."
Não custa lembrar que quanto mais se fala que uma decisão foi tomada com base em inteligência artificial, algoritmos, aprendizado de máquinas e etc, maior é a demanda por se entender como essas ferramentas foram efetivamente aplicadas.
Se por um lado é importante proteger a propriedade intelectual e os segredos de empresa, a solução algorítmica não pode ser simplesmente o ponto final da resposta. Vem ai a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que está dependendo de sanção presidencial e deve prever alguma forma de "direito à explicação". Para quem se interessa pelo assunto, o debate não é diferente, guardadas as devidas proporções, daquela discussão sobre como funciona o algoritmo que determina quem será o relator de processos no Supremo Tribunal Federal.
- Qual é o objetivo da ação do MBL no Supremo?
O MBL ingressou com um mandado de injunção no Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando que o Presidente da República edite lei que obrigue os provedores a só remover perfis e conteúdos com ordem judicial.
Segundo a petição, o grupo requer que se "edite norma prevendo que, para que haja qualquer alteração ou remoção de páginas, perfis, postagens ou em quaisquer conteúdos publicados em redes sociais virtuais, seja necessário haver prévia autorização judicial, garantindo-se aos usuários e à empresa responsável pela plataforma o direito ao devido processo legal, com a possibilidade do exercício do contraditório e da ampla defesa."
A medida pretendida vai além do atual artigo 19 do Marco Civil da Internet e, caso acatada, geraria a necessidade de um pronunciamento de um juiz para que qualquer conteúdo fosse removido da internet brasileira.
Uma nota pessoal: Foi então censura? Acredito que não. Os provedores tem a liberdade de criar as regras para o seu ambiente na medida em que as mesmas respeitem a legislação em vigor. Não existe nada na lei que expressamente proíba a remoção, mas a partir daí surgem duas questões: (i) existe um dever de transparência que precisa ser cumprido, especialmente dada a importância que as plataformas digitais têm para a realização das mais diversas atividades; e (ii) nada impede as partes envolvidas de buscar reverter a situação no Poder Judiciário, que poderá, analisando o caso, apreciar se houve qualquer comportamento ilícito da empresa e se existem eventuais danos que mereçam ser indenizados. Finalmente, exigir a edição de uma ordem judicial para que só assim qualquer conteúdo possa ser removido na Internet brasileira fragiliza o equilíbrio entre a liberdade de expressão e demais direitos fundamentais alcançado com o artigo 19 do Marco Civil da Internet. Ela geraria um efeito de judicialização extrema, engessando a atuação das plataformas, que hoje não são obrigadas a remover um conteúdo quando denunciado, mas podem assim fazê-lo.
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