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Carlos Affonso Souza

Guia para não passar vergonha com fake news

Carlos Affonso

05/03/2018 12h34

Apresentamos um constrangimento dos tempos modernos: compartilhar notícias falsas. Mais do que um problema de política pública, uma ameaça à democracia ou aos valores morais, passar adiante fake news pega mal.

Parece que você chegou ontem na Internet e não sabe como as coisas funcionam. Ou então que é preguiçoso e repassa tudo aquilo que recebe nas redes sociais sem qualquer filtro. Curioso momento em que as pessoas perdem horas das suas vidas escolhendo os filtros das fotos no Instagram – Valencia ou Perpetua? – mas não aplicam um mísero filtro para aquilo que leem e veem online.

Já se sabe hoje que fake news é um negócio não apenas da China, mas também da Rússia, do Irã, da Venezuela e especialmente da Macedônia. O Brasil não fica atrás. Junte robôs nas redes sociais, ânimos acirrados e eleições que fica fácil perceber que tem gente ganhando dinheiro com a desinformação. Ao passar adiante esse tipo de conteúdo você se torna uma peça desse esquema. Por que motivo você gostaria de servir de megafone para pessoas cujas motivações e interesses (políticos e comerciais) lhes são desconhecidos?

Como todo fenômeno "novo", a etiqueta para se alertar alguém que está compartilhando fake news ainda está construção. Insere no comentário do post? Manda por inbox? Faz uma publicação autônoma e marca a pessoa? E se for no grupo da família?

Recentemente vivi o drama quando um amigo compartilhou a clássica foto das pirâmides do Egito cobertas de neve como se fosse um momento único desse inverno rigoroso que aflige a Europa, o norte da África e o Leblon. Foi a primeira vez que isso aconteceu em 112 anos! – dizia a postagem. Pena que a foto é alterada digitalmente e circula nas redes desde 2013.

Tudo bem que a foto das pirâmides com neve não causa muitos danos. Quéops, Quéfren e Miquerinos já estão em outra. O problema ficou com quem compartilhou.

Como evitar então esse problema? O Congresso Nacional já se manifestou: quer criminalizar o envio de notícias falsas. Não se preocupe porque a princípio você não será preso por compartilhar algo que não é verdadeiro. Os diversos projetos de lei em discussão estão mirando apenas quem sabe que a notícia é falsa. Em caso dúvida, talvez seja preciso apenas provar que você foi um inocente útil. O seu vexame ficará registrado nos autos de um processo ou nos alfarrábios da delegacia.

Isso não quer dizer que você está livre de qualquer transtorno. Algumas decisões judiciais já responsabilizaram por danos morais pessoas que compartilharam notícias falsas. Faltou dever de cuidado e a informação falsa causou danos à vítima – apontou o Tribunal de Justiça de São Paulo. No mês passado, a Suprema Corte da Colômbia decidiu que qualquer pessoa, antes de postar nas redes, deve "diligentemente averiguar e confirmar a informação", caso contrário pode ser responsabilizada.

Então, como forma de evitar todo o constrangimento, seguem algumas dicas que podem ajudar a identificar notícias falsas e a se engajar no combate a esses conteúdos.

  1. Busquem conhecimento. O debate sobre fake news tem muitos exageros, mas ele pode servir para que se faça uma reflexão sobre os nossos hábitos online. Talvez esteja na hora de revisar a sua dieta de informação. Se você só lê o que aparece no seu feed de notícias, a escolha sobre o que lhe é relevante está sendo realizada por terceiros, filtrada a partir de seus relacionamentos online (agora rotulados como "amizade") e a partir de padrões que podem não ser os que você realmente gostaria. Uma rotina saudável de informação começa com as redes sociais e termina com uma postura mais ativa, que busca novidades sobre o que lhe interessa. Se satisfazer apenas com o que chega até você é um verdadeiro sedentarismo informacional.
  1. Olha elaaa! A busca por informação pode levar a sites novos. Nas redes sociais um conhecido pode publicar algo de um site que você nunca ouviu falar (mas que parece estar gerando muita repercussão). Antes de compartilhar, vale descobrir que site é esse. Ele parece confiável? Indica quem seria o responsável pelas publicações? Vá no seu buscador favorito e veja se aparecem resultados que ajudem a entender que site é esse.
  1. Para nossa alegria. Alguns sites usam a linguagem e a aparência de veículos jornalísticos para fazer sátiras das notícias, oferecendo uma versão propositadamente falsa, mas potencialmente engraçada ou crítica da realidade. Não custa conferir se a pretensa notícia não é, na verdade, uma sátira.
  1. O diferentão. A Internet ampliou a possibilidade de nos comunicarmos. Para o bem e para o mal. Pretensos vigilantes, que espertamente desmascaram segredos que a imprensa não quer que você saiba, desafiando os poderosos em nome do povo, não faltam por aí. Se a notícia não está aparecendo em veículos mais conhecidos e ela seria naturalmente de interesse geral, vale questionar a razão desse silêncio. Talvez a pauta tenha sido inventada e apenas expresse a vontade do seu autor. É uma fanfic disfarçada de notícia.
  1. Percebe, Ivair. Uma medida que pode evitar o compartilhamento de notícias falsas é criar o hábito de verificar informações simples sobre a notícia. Quem é autor? A notícia menciona alguma fonte ou se vale de entrevistas para construir uma análise do fato? Textos sem autoria, que não mencionam fontes nem procuram ouvir os interessados ou terceiros sobre o fato dão indícios de que a notícia pode não ser o que parece.
  1. Oi, sumida! De tempos em tempos, notícias falsas, publicadas sem data, reaparecem nas redes sociais. Antes de compartilhar uma notícia, procure verificar a sua data original de publicação para não contribuir com manipulações de toda a sorte. Notícias sensacionalistas sem data são um recurso comum para espalhar boatos e desinformação de modo continuado.
  1. Que tiro foi esse? Com tantos conteúdos disponíveis, a sua atenção é valiosa. Os diversos modelos de remuneração online que quantificam acessos, cliques e compartilhamentos transformam essas ações em objetivo para quem cria conteúdo na rede. Toda foto, vídeo e texto quer ser compartilhado, mas o tempo e atenção da audiência são escassos. Como resolver esse dilema? Chamando a sua atenção com manchetes bombásticas, que prometem revelar verdades ocultas, mas só se você clicar no link. Se o título parece apelativo demais, considere adestrar a sua curiosidade para que ela não fomente quem só quer abusar dela.
  1. Assim não dá pra te defender. Amigos não deixam amigos compartilhar notícias falsas. Se você percebeu que alguém está passando adiante uma fake news, avise. A expansão de boas iniciativas de fact checking tem ajudado a fornecer mais material que pode ser usado para desvelar a falsidade de uma pretensa notícia. Vale dar uma olhada e compartilhar os resultados de uma checagem de fatos com quem está compartilhando o conteúdo falso.
  2. Real Oficial. Desconfie de políticos que procuram descredenciar tudo o que lhes desagrada como fake news. No cerne desse discurso está a ideia de que a Internet está cheia de mentiras e que a única fonte verdadeira de informação é o próprio candidato ou o seu partido. A verdade real oficial. Por isso é importante ficar de olho em propostas legislativas que visam a obrigar a remoção rápida e rasteira (sem a intervenção do Judiciário) de tudo que alguém resolveu achar que é fake. O Marco Civil da Internet evita esse efeito de censura, mas não faltam projetos de lei querendo criar uma via expressa para tirar do ar o que qualquer pessoa (incluindo políticos) apontar como sendo falso.

Sobre o autor

Carlos Affonso é Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio) e professor da Faculdade de Direito da UERJ.

Sobre o blog

A Internet e as novas tecnologias estão transformando as nossas vidas. Mas quem decide se a rede será um instrumento de liberdade ou de controle? Esse é um blog dedicado a explorar os impactos da inovação tecnológica, sempre de olho nos desafios nacionais e na experiência de diferentes países em tentar regular uma rede global. As fronteiras da tecnologia você lê aqui.