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Carlos Affonso Souza

Bloqueio de contas bolsonaristas pelo STF lembra o do WhatsApp e afeta você

Carlos Affonso

25/07/2020 10h42

Se lembra daquela decisão do ministro Alexandre de Moraes que mandou bloquear de uma só vez contas de vários investigados naquele inquérito das fake news? Vai ser assim que vai começar muita conversa sobre internet, leis e liberdade de expressão em um futuro não tão distante. Pode anotar.

Fazendo história

A decisão cumprida nesta sexta-feira (24) pelas plataformas Twitter e Facebook, suspendendo as contas de uma dezena de investigados, é muito marcante. Ela lembra o bloqueio do YouTube e do WhatsApp, mas com uma diferença importante: lá atrás se bloqueava aplicações como um todo por conta de alguns conteúdos ilícitos. Agora foram bloqueadas as contas de certas pessoas para evitar ilícitos futuros.

Uma questão de proporcionalidade

Essa decisão traz pelo menos duas questões controvertidas. De início ela considera que a conta toda é uma ferramenta para praticar ilícitos. Ou seja, foram bloqueados conteúdos que podem ser discurso de ódio? Sim, mas também estão bloqueados foto de gato, troca de mensagem com a mãe e outros conteúdos protegidos por liberdade de expressão.

É uma questão de proporcionalidade: assim como você não deve derrubar o YouTube todo só por conta dos vídeos da Cicarelli, você não deveria bloquear toda a conta de alguém como se nela só fosse postado conteúdo ilícito. Isso pode estimular mais ordens judiciais generalizantes.

Sabe onde mais existe ordens generalizantes? No caso Marielle, que está no STJ para decidir se a polícia pode pedir dados de todo mundo que pesquisou pelo nome X para dentro desse universo encontrar o suspeito. Nessa rede de arrasto vão dados de quem nada tem a ver com o caso.

Prevendo o futuro

O segundo ponto controvertido da decisão é a questão do futuro. O bloqueio das contas se dá para impedir atos futuros de pessoas que são investigadas. Como podemos saber que essas pessoas continuariam a cometer ilícitos? Existe algo nas investigação que aponte a iminência de novos ataques? A decisão de maio do ministro apontava para uma organização entre as contas, atuando junto com outras contas automatizadas para subir hashtags e conteúdos ofensivos ao STF. O problema é a enunciação genérica de que o bloqueio visa a prevenir ilícitos futuros.

Os bloqueados podem usar outras contas?

Vale ainda se perguntar: se a ordem judicial é para bloquear determinadas contas, existe algum impedimento de que essas mesmas pessoas criem novas contas? E se não fossem contas pessoais, mas sim de canais ou blogs alheios, não poderiam continuar a cometer os ilícitos?

Ficou a impressão de que a ordem judicial original (que ordenou às plataformas que removessem as contas apenas indicando o nome e o CPF do investigado) visava banir os investigados das redes sociais. Dada a sua generalidade, as plataformas pediram que as contas fossem especificadas. Ao fazer assim, será que a ordem judicial ainda atende o objetivo?

Ou será que, mesmo sabendo que investigados poderão postar por outros meios, a ordem serviu ao propósito de mandar um recado sobre a continuidade de ilícitos cometidos enquanto corre a investigação? Vale lembrar que Sara Winter fez postagens jocosas depois que saiu da prisão.

Então a decisão de hoje é emblemática porque:

1) reforça o debate sobre ordens genéricas e não específicas;

2) mexe com a noção de prevenção a ilícitos futuros; e

3) aceita ser ser pouco efetiva, contanto que se dê um recado.

Pode sobrar para você

Meu receio é que, ao perceber que os investigados vão continuar a usar as redes por outras contas, o STF ressuscite o bloqueio de apps.

O Supremo Tribunal Federal está no meio de um julgamento sobre a possibilidade de bloqueio de aplicações (derivado das sucessivas suspensões do WhatsApp). Os ministros Edson Fachin e Rosa Weber já votaram, mas o julgamento foi suspenso por pedido de vista. Sabe quem pediu vista? O ministro Alexandre de Moraes.

Ou seja, o debate sobre bloqueio de sites e aplicações como um todo está longe de ter sido enterrado. Já imaginou se o inquérito das fake news termina virando mais um daqueles episódios em que um site ou app como um todo é bloqueado no Brasil, deixando todo mundo do lado de fora sem poder acessar as suas contas? E você imaginando que jamais teria algo em comum com um grupo de investigados.

Sobre o autor

Carlos Affonso é Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio) e professor da Faculdade de Direito da UERJ.

Sobre o blog

A Internet e as novas tecnologias estão transformando as nossas vidas. Mas quem decide se a rede será um instrumento de liberdade ou de controle? Esse é um blog dedicado a explorar os impactos da inovação tecnológica, sempre de olho nos desafios nacionais e na experiência de diferentes países em tentar regular uma rede global. As fronteiras da tecnologia você lê aqui.