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Carlos Affonso Souza

Facebook pode remover post de Eduardo Bolsonaro sobre jornalistas?

Carlos Affonso

11/11/2019 04h00

Conforme noticiado pelo Tilt, a Justiça do Distrito Federal indeferiu o pedido de liminar do deputado Eduardo Bolsonaro para que o Facebook reestabelecesse postagem sua na qual criticava jornalistas da revista Época. O processo ainda está no começo, mas essa primeira decisão pode ter efeitos que vão muito além do caso. Separamos alguns pontos para ajudar a entender o que está em jogo.

  1. O que motivou a ação?

A revista Época publicou reportagem na qual um jornalista fingiu ser paciente da psicóloga e esposa de Eduardo Bolsonaro, Heloísa Bolsonaro, para obter informações sobre o político. A repercussão da matéria foi bastante negativa, gerando um pedido de desculpas por parte do Conselho Editorial do Grupo Globo e mudanças na Revista.

Eduardo postou nas redes sociais uma crítica aos jornalistas da Época, expondo fotos para facilitar a identificação da diretora de redação e do editor-chefe da revista. As postagens foram removidas do Facebook e do Instagram. O deputado recebeu então a mensagem abaixo:

No Twitter, Eduardo Bolsonaro escreveu: "Um cara se passa por cliente, engana minha esposa para atacar minha família, vende revista, ganha selo azul e aí quando eu vou postar a cara dos responsáveis por esse crime no meu instagram e no facebook o post é automaticamente deletado?! Não ferra, FB e insta!"

  1. Qual é o objetivo da ação?

Eduardo Bolsonaro busca que a sua publicação seja reativada nas redes sociais e que o Facebook seja condenado a pagar danos morais no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais). O autor defende que seus comentários estão protegidos pela liberdade de expressão.

  1. O que decidiu o juiz?

O juiz Alex Costa de Oliveira indeferiu o pedido de liminar para que a publicação voltasse logo ao ar, entendendo que no caso existe um conflito entre a liberdade de expressão do deputado e o direito à imagem dos jornalistas que demanda uma análise mais pormenorizada. Sendo assim, o eventual retorno da publicação ficou para a decisão de mérito do processo.

Além disso, o magistrado fez referência a dispositivos do Marco Civil da Internet (Lei nº 12965/14) que merecem destaque.

  1. O que faz a neutralidade da rede nesse caso?

O magistrado citou o princípio da neutralidade da rede, conforme previsto no Marco Civil da Internet (art. 9º). A neutralidade da rede faz com que os responsáveis pela transmissão de dados na Internet devam tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, "sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação."

Por que esse princípio é importante? Para evitar que provedores comecem a recusar o tráfego de dados ou lidar com eles de modo discricionário. Já imaginou se o seu provedor de acesso resolve bloquear o uso de torrent? Ou ainda um provedor que, para prejudicar o concorrente, carrega os seus sites sempre mais devagar de propósito? O Marco Civil da Internet proíbe isso.

Mas o Facebook não é, nesse caso, sujeito ao princípio da neutralidade da rede porque ele não é o "responsável pela transmissão, comutação ou roteamento" dos dados. Ele é o que se chama de provedor de aplicações, ou seja, ele oferece uma funcionalidade que pode ser acessada na rede. Facebook, Netflix, Uber, YouTube são todos provedores de aplicações. Não são eles que fazem os dados circularem na rede.

  1. Então o Facebook pode fazer o que quiser com as postagens?

Não. Ao se cadastrar no Facebook você aceita os Padrões da Comunidade (que funcionam como Termos de Uso da plataforma). Ainda que você nunca tenha lido esse documento, ele se aplica na sua relação com o provedor. Lá estão descritos os tipos de conteúdo que podem e os que não podem ser publicados na rede social.

Sendo assim, os Padrões da Comunidade funcionam não só como um contrato, mas também como um limitador do que o usuário e a rede social podem fazer. Se ela remover um conteúdo fora dos limites do que foi pactuado ela pode também responder por isso.

  1. Mas o Marco Civil não obriga os provedores a remover conteúdo só com ordem judicial?

Não. Essa dúvida é muito comum, mas não existe nada no Marco Civil da Internet que impeça os provedores de remover um conteúdo antes de uma ordem judicial, contanto que isso ocorra dentro dos limites do que foi pactuado com o seu usuário. Por isso que é importante conhecer o que diz os Termos de Uso.

A confusão geralmente vem do fato de que o artigo 19 do Marco Civil da Internet determina que os provedores apenas serão responsabilizados pelo conteúdo de terceiros (como as postagens dos seus usuários) caso eles não cumpram uma decisão judicial que obrigue a sua remoção. Esse artigo existe para preservar a liberdade de expressão e evitar que qualquer provedor (grande ou pequeno, do Facebook à ferramenta de blog) seja responsabilizado pelo não atendimento de qualquer denúncia de conteúdo. Seja ela procedente ou inteiramente descabida.

Vale destacar que existem exceções à regra, como no caso de conteúdos envolvendo imagens íntimas, com cenas de sexo e nudez cuja divulgação não foi consentida. Nessas hipóteses o próprio Marco Civil determina que os provedores devem remover o material assim que notificados, sob pena de serem responsabilizados por sua exibição (art. 21). 

Caso o artigo 19 não existisse, ao receber uma notificação exigindo a remoção de um conteúdo o provedor poderia escolher entre: (i) remover logo o material; ou (ii) manter o conteúdo no ar e correr o risco de ser processado. São poucas as empresas que podem se dar o luxo de correr o risco de serem processadas. Ainda por cima, sem travas na legislação, qualquer notificação poderia derrubar conteúdos na Internet.

O artigo 19 trata assim da regra geral sobre responsabilidade das plataformas perante terceiros pelo conteúdo que exibem. A relação entre elas e seus usuários já é outra história. Aqui entram em cena os Termos de Uso e como eles são aplicados.

  1. O provedor não precisa explicar o que motivou a remoção do conteúdo?

Precisa sim. E aqui talvez esteja o grande gargalo desse e de tantos outros casos. Geralmente a pessoa que tem a sua postagem deletada fica sem saber exatamente o que motivou a remoção, bem como qual item dos Termos de Uso foi efetivamente descumprido. Isso é importante porque a ausência de transparência nesse ponto pode fazer com que ações como a movida pelo deputado Eduardo Bolsonaro possam se tonar cada vez mais frequentes.

O mundo todo debate como aperfeiçoar o controle de conteúdo nas plataformas. É preciso ficar atento para que essas iniciativas possam estimular uma maior transparência sem servir de pretexto para censura. O equilíbrio está longe de ser fácil. De toda forma, é importante que os usuários saibam de modo fácil e claro o motivo da remoção de seus conteúdos, até para que possam recorrer dessa decisão. A opacidade por parte das plataformas vai apenas atrair mais ações judiciais.

  1. O que vem pela frente no caso?

Com o indeferimento da medida liminar o juiz determinou a citação do Facebook para que ele apresente a sua contestação. Um ponto curioso da decisão foi a determinação do magistrado em não fazer uma audiência de conciliação entre as partes. Segundo o juiz foi possível, a partir da petição inicial, "inferir ser altamente improvável o sucesso da tentativa de composição."

  1. Por que então essa decisão é importante?

A decisão confirma que as plataformas podem remover conteúdos, à luz do Marco Civil da Internet, sem a necessidade de esperar uma ordem judicial. Segundo o magistrado: "Nota-se, contudo, que não há proibição de, sem ordem judicial, com base em eventual cláusula estabelecida pelas partes, o provedor de conteúdo tornar, por cautela, indisponível postagem que possa ofender direito de terceiros."

Se por um lado esse entendimento é importante para conferir celeridade ao atendimento de denúncias sobre direitos que possam ser violados na rede, ainda temos muito o que fazer em termos de dever de informação e de transparência por parte das plataformas. São casos emblemáticos como esse que ajudam a levar a discussão adiante.

Sobre o autor

Carlos Affonso é Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio) e professor da Faculdade de Direito da UERJ.

Sobre o blog

A Internet e as novas tecnologias estão transformando as nossas vidas. Mas quem decide se a rede será um instrumento de liberdade ou de controle? Esse é um blog dedicado a explorar os impactos da inovação tecnológica, sempre de olho nos desafios nacionais e na experiência de diferentes países em tentar regular uma rede global. As fronteiras da tecnologia você lê aqui.